CAPACITAÇÃO E TREINAMENTO EM EDUCAÇÃO BILÍNGUE E ENSINO DE IDIOMAS

Como um pé de jabuticaba pode iniciar um projeto para o 4º B?

Juliana Tavares

Alguns anos atrás, a professora Sophia trabalhava em uma escola bilíngue que ficava em um lugar lindo, bastante amplo, com uma jabuticabeira enorme bem no meio do terreno. Durante os intervalos do almoço, seus alunos, à época uma turminha do quarto ano, costumavam ficar sentadas à sombra da árvore após terem comido e antes de retornarem às atividades da tarde. Era um daqueles momentos de ócio, que muitos tendem a condenar, mas que, para mim, são parte de um “aprendizado contemplativo”: aquele que se dá através da observação do mundo ao nosso redor com tempo suficiente para podermos tecer nossas próprias conexões, ideias e reflexões sobre o que estamos observando.

Em uma dessas ocasiões, as crianças estavam aproveitando aquele frescor tão bem-vindo em meses mais quentes (era outubro e a jabuticabeira estava carregada). Uma esperta e observadora garota da turma estava deitada na grama olhando fixamente para a árvore, bem pensativa. De repente, ela dispara essa:

“Essa árvore é tão grande, né? Ela deve ter uns cem anos. Quantas jabuticabas será que ela já deu na sua vida de árvore? Imagina quantas crianças já ficaram aqui embaixo...Acho que ela deve saber muita coisa, Ms. Sophia... As árvores são muito sábias, acho que é porque elas vivem um tampão.”

“Puxa, Manu, pergunta complexa a sua, mas muito interessante!”, disse a professora. “Essa jabuticabeira deve mesmo ter muita história para contar!” Aproveitando, então, para lançar uma provocação aos alunos, a professora continua:

“O que vocês acham, gente? O que essa jabuticabeira poderia ensinar para a nossa turma? E se a jabuticabeira fosse mais uma professora dessa escola?”

Diante das reflexões de Manu e das provocações da professora, os demais alunos também se inspiraram e sentiram-se à vontade para contribuir com suas próprias reflexões.

“Acho que jabuticaba é a melhor fruta do mundo. Será que tem jabuticaba no Japão?”, Enzo pensa alto enquanto come algumas.

“Será que os índios do Brasil já comiam jabuticabas antes do homem branco chegar?”

“Jabuticaba parece um açaí gigante: será que ela também faz bem para a saúde?”

“Como é que se diz jabuticaba em inglês? E o que será que significa ‘jabuticaba’?”

Enquanto as crianças faziam essas perguntas e já emendavam suas teorias, a professora Sophia anotava em seu caderno algumas ideias. Essas perguntas podem dar um projeto e tanto, principalmente se os demais colegas trabalharem com ela de forma interdisciplinar, foi que pensou. A pergunta disparadora ela já tinha: “E se a jabuticabeira fosse uma professora de nossa escola?” Para ela, essa pergunta não pode ser respondida com uma busca simples. É ampla o suficiente para abrir inúmeras possibilidades de resposta, assim como as reflexões que os alunos estavam fazendo. Além disso, o projeto já estava se desenhando naquele exato momento, enquanto as crianças iam formulando perguntas.

Sophia, que é professora de inglês e literatura, começou a pensar em livros em inglês que falassem sobre árvores frutíferas, além daqueles da literatura brasileira que falam sobre a jabuticaba (na hora ela pensou na boneca Emília ensinando um anjinho a falar a palavra em uma das obras de Monteiro Lobato). As crianças poderiam ler alguns deles e depois compor um livro coletivo sobre a jabuticabeira da escola. Sophia também vislumbrou um trabalho com gênero textuais – no caso, os alunos poderiam compor receitas com a fruta e escrevê-las em um livro. Pensou também no uso da língua inglesa para uma atividade intercultural. Como ela sabe que a jabuticaba é uma fruta brasileira, uma boa ideia seria procurar escolas de outros países para fazer uma troca de apresentações e informações sobre as frutas nativas de cada país. Contexto autêntico de comunicação? Temos!

As demais perguntas das crianças levaram Sophia a pensar nas outras possibilidades para o trabalho com colegas de outras áreas. A professora de Arte pode explorar a ideia de usar a fruta como tinta para pintar, ou ainda explorar artistas que retratam a nossa flora. Em ciências, as crianças podem estudar a árvore, seus frutos, as vitaminas presentes nele e seus benefícios à saúde. Em Matemática, a pergunta de Manu pode começar um estudo sobre estimativas para descobrirem quantas jabuticabas em média a árvore já deu. Em história, a classe pode buscar por registros e narrativas de pessoas que sabem quando a árvore foi plantada.

Todas as maneiras que a professora Sophia imaginou como trabalhar com a jabuticabeira durante aquele intervalo vieram das perguntas das crianças. A ideia surgiu da curiosidade sobre algo relevante para elas, algo que elas queriam conhecer melhor por fazer parte de suas vidas. Veio também do olhar de Sophia – ela percebeu um momento perfeito para ensinar, para explorar as ideias trazidas por seus estudantes e para compartilhar essa oportunidade de aprendizado com seus colegas. Sophia exerceu, naquele momento, uma pedagogia pautada no desejo e nas experiências prévias do aprendente. Deu início a um processo ativo e repleto de surpresas, que depende, mais do que qualquer outra coisa, de percursos nunca antes trilhados por seus alunos e nem mesmo pela própria Sophia. Porque uma coisa é certa: trabalhar com projetos muitas vezes significa percorrer um caminho imprevisível e inexplorado, em que as surpresas são parte da motivação de descobrir o novo. Para obter sucesso, o professor também precisa se colocar no lugar de aprendente e adquirir o mesmo olhar curioso de seus alunos. Sophia, no fim das contas, aprendeu mais sobre jabuticabas do que jamais imaginou. Mas, acima de tudo, aprendeu a apurar seu olhar e seus ouvidos para as oportunidades de aprendizado que muitas vezes estão ao nosso lado, apenas esperando para serem notadas. Se não há uma jabuticabeira em sua escola, não tem problema. O importante é saber identificar o que pode ter o mesmo potencial que ela teve para os alunos de Sophia e viajar com eles.

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