CAPACITAÇÃO E TREINAMENTO EM EDUCAÇÃO BILÍNGUE E ENSINO DE IDIOMAS

Desenvolvendo relações interpessoais saudáveis através da Educação Moral na escola

Danila Di Pietro Zambianco*

Como desenvolver competências socioemocionais dentro do ambiente escolar e como trabalhar as relações interpessoais durante o ensino remoto?
Para responder a essas e outras perguntas, convidamos a pesquisadora e docente Danila Di Pietro Zambianco. Danila é Mestre em Educação pela UNICAMP e atualmente é doutoranda na mesma instituição. Seu foco de pesquisa é a Psicologia Moral e as suas relações com as competências socioemocionais.

Danila é integrante do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral), grupo de pesquisa da UNICAMP/ UNESP, além de fazer parte do corpo docente do curso de pós-graduação “As Relações Interpessoais na escola: das competências socioemocionais à personalidade ética”, do Instituto Vera Cruz. A pesquisadora trabalha também no desenvolvimento de processos formativos para professores e produz conteúdos relacionados à convivência ética para escolas públicas e privadas.

JT: O grupo do qual você é integrante, o GEPEM, tem a Educação Moral como principal objeto de estudo e pesquisa. Gostaria que você discorresse um pouco a respeito do que consiste “Educação Moral” em nosso atual contexto, pois creio que seja bastante distinto daquela Educação Moral que muitos de nós estudamos no Ensino Fundamental.

DZ: Sua crença se confirma, pois o passado nacional que temos de educação moral se pauta numa moral dogmática, baseada na obediência de uma autoridade, fruto de uma época de ditadura militar, onde era objetivo homogeneizar características pessoais. Não havia espaço para o divergente, tampouco para o diálogo. O GEPEM (UNESP/UNICAMP) é um grupo de estudos e pesquisas em educação moral e, para que haja ciência, é preciso que localizemos uma teoria para direcionar a construção de conhecimentos. A teoria que nos guia é a Psicologia do Desenvolvimento Moral, a partir dos estudos de Jean Piaget, que pretende compreender como o ser humano desenvolve a moralidade, como ele integra valores à sua personalidade que vão direcionar suas ações, valores que consideramos como necessários para que tenhamos uma convivência ética e democrática, tais como: respeito, justiça, solidariedade, generosidade e outros.

JT: A necessidade de nos debruçarmos sobre as competências socioemocionais e as relações interpessoais no ambiente escolar não é recente, tampouco ignorada por especialistas e por lideranças na educação. Porém, com a pandemia, ficou evidente o papel crucial da escola no desenvolvimento dessas habilidades, assim como a urgência de tratarmos essa questão de uma forma que transcenda as fronteiras disciplinares. Em sua opinião, que tipo de impacto as mudanças trazidas pelo ensino remoto podem causar neste trabalho?

DZ: Sim, estamos falando de conhecimentos que já pautaram estudos de pesquisadoras e pesquisadores desde o século passado – temos registros de programas escolares que desenvolveram competências socioemocionais desde 1960. Embora não seja inédito, pensar na dimensão afetiva e relacional não se dá em larga escala em muitas escolas, o que provoca que lidemos com os conflitos na escola de modo pessoal, ou seja, os adultos da escola acabam por usar seus referenciais pessoais para gerir problemas de convivência, o que pode provocar um crescimento do senso comum, ou mesmo consequências danosas, sendo que temos muita produção científica sobre isso.

Vejo que o contexto pandêmico nos provocou a pensar nas relações interpessoais, pois toda essa realidade nos distanciou de nossos planos pessoais, das pessoas que amamos e nos colocou diante da frequência da vulnerabilidade da vida, afinal temos mais de 400 mil pessoas mortas em nosso país.


Esse contexto gera instabilidade emocional, e mesmo que não desejemos, precisamos lidar com nossa dimensão afetiva. Muitos estudos já comprovaram a potência que a afetividade tem em nossas ações e sua relação inseparável das dimensões intelectual e moral inclusive. Espero que diante disso, as escolas tenham aberto espaço em seus currículos para considerar o trabalho com as relações interpessoais que seja intencional e sequenciado. Isso significa ter uma organização didática que permita trabalhar pautas como: problemas de convivência, consciência social, expressão de sentimentos e muitas outras. Nesse sentido, considerando que neste momento deveria ser impossível a escola continuar sem considerar tais pautas, seria indicado que elas passem a fazer parte da cultura escolar, tendo ações voltadas não apenas para estudantes, mas também para os adultos da escola. Afinal, relações interpessoais na escola se faz com e para pessoas, todas elas.

JT: É possível falarmos em desenvolvimento das relações interpessoais dos estudantes na situação de ensino remoto trazida pela pandemia? O que você considera viável no contexto atual?

DZ: Não apenas viável, mas é necessário investirmos em relações, é uma ação para nos humanizar. Nesse momento que estamos vivendo, onde a incerteza, medos e lutos são frequentes, é preciso dar espaço para o acolhimento sem julgamentos, favorecer a escuta e expressão de sentimentos como rotina. Isso não significa obrigar as pessoas a partilharem seus sentimentos e percepções, tampouco fazer algum tipo de terapia em grupo, por isso a necessidade de estudo para lidar com tais temas.

Cabe à escola mostrar-se disponível para acolher, considerar que esse tema é tão importante quanto os demais componentes curriculares.


Uma roda virtual para partilha de percepções e sentimentos sobre o atual momento, convidar as pessoas a se expressarem, mostrar que existem pessoas interessadas em ajuda (da própria turma inclusive), são ações que já trazem uma enorme contribuição.

JT: Fala-se muito do impacto do ensino remoto nos estudantes e nas famílias, porém pouco se discute o impacto da pandemia no papel do professor e nas relações interpessoais docentes. Em sua experiência, quais têm sido os maiores desafios e problemas para os educadores e como a escola pode ajudar a minimizá-los?

DZ: Nossas admiráveis professoras e professores são certamente sobreviventes dessa pandemia, precisaram aprender a lidar com recursos tecnológicos praticamente a força e, em muitos casos, de um dia para o outro, tentando buscar meios para garantir a aprendizagem. Para muitas realidades isso não foi suficiente, pois para alguns contextos sociais mais vulneráveis, o aporte tecnológico não é uma realidade prevalente. Isso provocou que tais docentes tivessem outras soluções para tentar garantir minimamente o acesso à educação: pendurar lição no portão e enviar pelo motoboy junto com o marmitex foram algumas delas. Contudo, essas heroínas e heróis ao mesmo tempo que se reinventavam para tentar suprir aquilo que era feito presencialmente, estavam também elas e eles lidando com suas vidas pessoais no avesso, afinal, também elas e eles estão dentro da pandemia. Muitas pesquisas mostraram que os desafios enfrentados por docentes foram não apenas da esfera tecnológica, mas também emocional.

A escola ajuda quando ela proporciona a seus docentes os mesmos cuidados oferecidos para estudantes e seus familiares.


Conduzi muitas rodas virtuais de acolhimento para corpos docentes, equipes de coordenação e gestão. Os feedbacks mostraram a importância daquele momento: eles se sentiam escutados, cuidados, pois não se trata de resolverem problemas individuais, mas de saber que não está sozinha ou sozinho nesse momento, isso traz uma sensação de pertencimento importante para passar por momentos de crise.

JT: Como você vislumbra a escola pós-pandemia? Quais serão, a seu ver, os maiores danos para serem reparados?

DZ: Os estudos nos mostram que haverá questões da ordem da saúde emocional que precisaremos lidar a curto, médio e longo prazo. Por isso, quanto antes as escolas inserirem a temática das relações interpessoais e as competências socioemocionais, a partir de estudos científicos, será menos complicado lidar com tudo isso. Existem também preocupações sociais com grupos mais vulneráveis. Sabemos que por privação de renda, muitas famílias precisaram que suas filhas e filhos ajudassem na sobrevivência, o que pode significar um aumento do trabalho infantil. Também há os casos de violência doméstica que foram menos notificados, pois tais casos contam com a denúncia também de terceiros e, sem acesso ao mundo cotidiano, muitas mulheres, crianças, pessoas idosas e com deficiência podem ter tido sua realidade piorada. Na escola esses dois primeiros cenários, emocional e social, aparecem em meio a preocupações de aprendizado, pois havia um planejamento pedagógico que não considerou a pandemia.

Deste modo, mesmo sabendo que o carro chefe da escola é o aprendizado, considero prioritário redirecionar o olhar e considerar aprendizagem não apenas de componentes curriculares tradicionais, como matemática, ciências ou geografia, mas inserir o aprendizado que promova a pessoa para viver coletivamente, o que inclui aspectos de autoconhecimento, autogestão, além de habilidades de relacionamento, consciência social e tomada de decisão responsável.

E tudo bem se não cumprirmos o planejamento oficial previsto, tivemos uma pandemia! É o momento então de rever e selecionar quais conteúdos são prioritários para este contexto, pois acreditar que nossas crianças e jovens deverão cumprir a mesma carga horária de um cenário sem pandemia é atuar de maneira cega a tudo que estamos vivendo, ignorando que fatores de contexto interferem no objetivo final, além de ser uma demonstração clara de desumanidade.

Eu gostaria de acreditar que ao final desta pandemia, não vamos voltar para o mesmo lugar. Me apavora algumas falas do tipo: quero voltar ao que era antes. Espero que tudo o que temos vivido sirva para elegermos valores que interessam para uma proposta de sociedade ética e democrática, onde as pessoas percebam que escolhas individuais impactam nas coletivas e dentro do mesmo planeta, nossas ações estão interligadas e de alguma maneira, uma reflete na outra, por isso valores como respeito, solidariedade e justiça são necessários.


*Entrevista concedida a Juliana Tavares no dia 02/05/2021.

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