CAPACITAÇÃO E TREINAMENTO EM EDUCAÇÃO BILÍNGUE E ENSINO DE IDIOMAS

Hábitos da mente - para eles e para nós

Juliana Tavares

O ano de 2022 certamente será lembrado como o ano da retomada definitiva das aulas presenciais em um contexto mais próximo do “normal”, anterior à pandemia. Com a consolidação da vacina nas faixas etárias mais jovens, foi possível retomar a vida escolar presencial de maneira mais consistente. No entanto, quem trabalha com formação de professores tem ouvido com grande frequência as preocupações relacionadas aos desvios comportamentais e atitudinais dos estudantes. Há uma forte impressão de que houve aumento na violência e nos problemas de aprendizagem, além de fortes indícios de perdas importantes na aquisição de competências e habilidades.

Dentre as muitas estratégias recomendadas por profissionais da área, está o foco no desenvolvimento do aspecto socioemocional dos estudantes, para que possam se fortalecer psiquicamente e retomar a rotina e as regras do convívio escolar, que ao que parece, foram esquecidas.

Diante dessa necessidade, recentemente facilitei uma formação para professores em que discutíamos os hábitos da mente e maneiras de trabalhar com nossos estudantes na busca da construção desses hábitos no espaço escolar e, mais especificamente, na sala de aula de língua inglesa.

Oriundos dos trabalhos de Art Costa e Bena Kallick, os hábitos da mente formam um conjunto de habilidades ou atitudes (um total de dezesseis) necessárias e desejáveis diante de problemas ou de situações cotidianas mais complexas. Vou listá-los aqui para referência e para que você veja que são, na verdade, senso comum. Bem, tenho uma amiga que diz que “common sense is not that common”, mas a lista contempla habilidades indiscutivelmente necessárias na resolução de conflitos e de problemas. Assim como os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU (sim, acabar com a fome é prioridade, quem é que vai contestar isso?), os hábitos da mente nos parecem bastante óbvios quando os lemos pela primeira vez. Habilidades como empatia, persistência e flexibilidade são de fato essenciais e o seu desenvolvimento deveria ser uma das prioridades na escola.

Hábitos da mente
1. Persistir
2. Gerenciar a impulsividade
3. Escuta empática
4. Pensamento flexível
5. Metacognição
6. Busca por precisão
7. Questionar e expor problemas
8. Aplicar conhecimento prévio a novas situações
9. Pensar e comunicar-se com clareza e precisão
10. Reunir dados usando todos os sentidos
11. Criar, imaginar e inovar
12. Reagir com admiração e respeito
13. Assumir riscos com responsabilidade
14. Descobrir o humor
15. Pensar de maneira interdependente
16. Aprender continuamente

Apesar de parecerem senso comum, podemos concordar que os hábitos da mente não são naturais em nós – é preciso aprendê-los, praticá-los e ter a oportunidade de vislumbrar sua aplicação em situações reais. Para isso, a escola deveria ser o lugar ideal, já que aprender é aplicar o saber na resolução dos mais variados problemas, sejam eles existenciais ou práticos. Aqui, podemos concordar que, apesar de ser o espaço ideal para a construção dessas atitudes, a escola ainda está em processo de apropriação dessa tarefa.

Isso nos leva a retomar o contexto da formação mencionada no início do texto. Pedi que os professores analisassem os hábitos da mente e pensassem em maneiras de desenvolvê-los. Foram divididos em grupos e, com a lista e descrição breve dos hábitos em mãos, deveriam fazer essa reflexão juntos. Ao visitar um dos grupos para confirmar se todos haviam entendido o que deveriam fazer, uma das participantes me perguntou: “Você quer que pensemos em como desenvolver essas habilidades em nós mesmos ou nos alunos?”

Essa pergunta me fez parar e pensar um pouco. Meu planejamento inicial tinha por objetivo fazer com que os professores relacionassem os hábitos da mente com atividades, conteúdos e possíveis projetos e que pudessem promover oportunidades para o desenvolvimento desses hábitos em sala de aula e entre os estudantes. Será então que, ao planejar a formação presumi que essas habilidades estivessem plenamente internalizadas pelos professores? Provavelmente. Mas a pergunta dessa professora me deixou bastante intrigada. Afinal, ela indica que na visão dessa professora, a equipe também precisava trabalhar e desenvolver essas atitudes antes de tentar desenvolvê-las nos estudantes, certo? Foi aí que entendi que a necessidade desses saberes é de todos. Professores estão desamparados e provavelmente também precisam pensar a quantas andam os seus hábitos da mente. Como podemos querer ensinar nossos estudantes a ter flexibilidade se por vezes nós mesmos demonstramos comportamentos tão refratários em relação ao novo? Como poder ensinar a questionar, se tantas vezes impedimos nossos estudantes de contestar, sem sequer ouvir o que eles têm a dizer? Como trabalhar com a empatia se nós mesmos nos esquecemos de praticá-la em nosso cotidiano?

Respondendo à pergunta da professora, a reflexão sobre habilidades como as descritas nos hábitos da mente são, sim, para todos. É preciso que nós mesmos tenhamos em mente a importância de refletir sobre nossos próprios pontos fortes e áreas para desenvolvimento, de forma que estejamos preparados para a retomada e para todos os desafios que estão por vir. Minha sugestão para ela foi que, ao escolher determinados hábitos para trabalhar com seus estudantes junto ao conteúdo, ela também fizesse uma reflexão sobre sua própria posição em relação a esses hábitos. Por que são importantes? O que tenho que fazer para exercê-los melhor? O que posso aprender? Quais exemplos posso demonstrar para ensiná-los? Começar por nós. Talvez seja essa a resposta.


Para saber mais:
https://www.teach-ineducation.com/article.php?p=working-on-project-based-learning-and-the-habits-of-mind
https://www.habitsofmindinstitute.org/
https://www.teachthought.com/pedagogy/what-are-the-habits-of-mind/
https://www.habitsofmindinstitute.org/your-whole-school-approach-to-habits-of-mind/

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