By - Mª Luciana de Souza Brentano*
Não é mais novidade que as sociedades evoluíram, que as competências a serem ensinadas na escola modificaram-se e que a informação tornou-se mais acessível do que nunca. Estas transformações exigem uma mudança de paradigma: devemos nos preocupar menos com a forma de ensinar e mais com a forma como as crianças aprendem. As evidências científicas sugerem que uma Educação mais compatível com os cérebros da nova geração, torna-se urgente.
Da mesma forma, o crescente interesse das famílias pela educação bilíngue tornou-se mais evidente, principalmente após o crescimento no número de estudos mostrado benefícios sociais e cognitivos no aprendizado de línguas na infância (Bialystok,2001; Bialystok e Shapero, 2005; Barac e Bialystok, 2011; Kroll, Dussias, Bice e Perrotti, 2015, Bialystok, 2015; dentre outros). Com isso, o trabalho pedagógico frente a esses novos paradigmas tornou-se mais complexo.
A Educação Bilíngue é considerada um termo ambíguo para um fenômeno complexo. Isto porque existe uma ampla oferta de modelos educacionais que estão atrelados ao termo Educação Bilíngue, embora nem todos os pesquisadores concordem com essas propostas e com o quanto elas podem ser, de fato, denominadas de Educação bilíngue. O termo Educação Bilíngue é usado para descrever uma variedade de programas educacionais envolvendo duas ou mais línguas (Baker, 2006). Primeiramente é importante pensarmos nas diferentes finalidades educativas que estão por detrás das categorias de educação bilíngue. Há duas bem destacadas: uma interessada em inserir uma comunidade de falantes de língua minoritária num contexto de língua dominante e a outra interessada em ofertar à classe média/alta a possibilidade de comunicar-se e produzir conhecimento em duas línguas (Baker, 2006).
A LDB (Lei de Diretizes e Bases da Educação) reconhece apenas existência de um modelo de educação bilíngue: a educação intercultural indígena. Entretanto, a educação bilíngue de enriquecimento ou educação bilíngue de prestigio, que é o termo usado para descrever as propostas que tem como objetivo proporcionar às crianças falantes de uma língua dominante o aprendizado de uma segunda língua na escola, tem sido o programa adotado em muitas escolas no Brasil. Este modelo de Educação Bilíngue ainda não tem respaldo na LDB, entretanto, alguns estados brasileiros tem emitido pareceres pelo Conselho Estadual de Educação, reconhecendo as modalidades de Ensino Bilíngue e Internacional, em resposta a uma crescente demanda, proveniente de um cenário de grande desenvolvimento de nosso país frente ao mundo globalizado.
Mesmo assim, conforme mencionado acima, a LDB preconiza a obrigatoriedade do ensino em língua portuguesa no território nacional, à exceção dos povos indígenas. Com isso, as escolas bilíngues atualmente existentes no país devem seguir as regulamentações da LDB: oferecer 200 dias letivos, uma carga-horária de 20 horas semanais ministrada na Língua Portuguesa, e acrescentar uma carga horária complementar, em segunda língua, procurando equilibrar o tempo de exposição à segunda língua com o tempo regulamentar no currículo brasileiro. Outras escolas organizam o período complementar em que é oferecida a educação bilíngue, no item “parte diversificada” do currículo, conforme previsto na LDB.
No Brasil, a Educação Bilíngue não é novidade. Em São Paulo as escolas particulares já vem oferecendo programas bilíngues há mais de 30 anos. No Rio Grande do Sul ainda é recente a oferta de escolas com programas bilíngues (Brentano, 2011). Algumas escolas pioneiras já oferecem Currículo bilíngue há mais de dez anos, porém, um grande número de escolas está iniciando a sua caminhada há dois ou três anos.
De um modo geral, o ensino bilíngue cresceu muito no Brasil nas últimas décadas, principalmente na região sudeste do Brasil somando mais de duas centena de escolas, apesar de não termos números oficiais. Como a Educação Bilíngue já é comprovada como uma proposta educacional compatível com as competências necessárias para o século 21, muitos pais começam a buscar esse tipo de educação, o que justifica o aquecimento no mercado do ensino bilíngue.
Se por um lado cresce a procura pela educação bilíngue, em contrapartida, ainda falta muito conhecimento sobre o que é educação bilíngue e como se constitui um currículo bilíngue de prestígio. Algumas escolas apenas introduziram ou aumentaram a carga horária de inglês, muitas vezes no contraturno escolar, desvinculando essas aulas do currículo regular da escola. Estes programas, dependendo da forma como estão organizados, apresentam-se frágeis em relação aos pressupostos necessários para a constituição de um currículo bilíngue.
Uma escola bilíngue é aquela que pensa seu currículo em duas línguas; que vê no diálogo intercultural a possibilidade de desenvolver e usar as línguas em contexto, para expandir o repertório linguístico de seus alunos, e como consequência, desenvolver o pensamento crítico e expandir o contato com a diversidade.
Numa escola bilíngue o foco é duplo: ensinar línguas e ensinar conteúdos através das línguas do currículo. A Educação Bilíngue transcende o ensinar línguas descontextualizado... é um trabalho desenvolvido na parceria e no diálogo colaborativo entre os diversos professores que trabalham nesta escola, com o objetivo comum de formar cidadãos bilíngues/multilíngues.
Hoje em dia, muitas são as vantagens ao formar crianças bilíngues. Em relação aos ganhos cognitivos estudos afirmam que o bilinguismo altera a estrutura e o funcionamento da mente, pois estimula e recruta estruturas mentais diferentes das dos monolíngues, em especial, no momento que precisam inibir uma de suas línguas para utilizar a outra (Kroll & Bialystok, 2013). Costumamos dizer que esse processo de inibição de uma das línguas produz um exercício mental constante e, portanto, estimula um desenvolvimento mais acelerado da criatividade, do raciocínio e do controle executivo.
Ao se falar em controle executivo, várias pesquisas têm mostrado que as crianças bilíngues de 04 ou 05 anos de idade parecem se desenvolver mais precocemente do que as crianças monolíngues. Isso porque já são consistentes as evidências de que o bilinguismo aumenta também o controle sobre a atenção em situações conflitantes (Bialystok 2001, 2010, 2015). Assim é possível constatar que aprender duas línguas desde a infância acentua o desenvolvimento de uma série de competências cognitivas, fazendo com que o cérebro desenvolva melhor a habilidade de alternar tarefas, tornando o pensamento mais ágil e flexível.
Em resumo, ser bilíngue nos dias de hoje traz benefícios inegáveis à vida de um indivíduo, influenciando seu desenvolvimento cognitivo, cultural e também social, uma vez que a comunicação com outros países é facilitada. O conhecimento aprofundado de mais que uma língua expande horizontes culturais e permite uma visão mais aguçada e respeitosa sobre o mundo.
*Mestre em Letras, Especialista em Ensino e Aprendizagem de Língua Estrangeira e Especialista em Neurocognição e Aprendizagem. Coordenadora do Currículo Bilíngue- IENH e da Pós Graduação em Educação Bilíngue e Cognição- IENH
Bibliografia:
BAKER, C. (2006) Foundations of Bilingual Education and Bilingualism. Multilingual Matters, 492 pags.
BARAC, R. e BIALYSTOK, E. (2011). “Research timeline: cognitive development of bilingual children.” Language Teaching, vol. 44, pp. 36-54.
BIALYSTOK, E. (2001). Bilingualism in Development: Language, Literacy, and Cognition. Nova York: Cambridge University Press.
________. (2010). Bilingualism. Wiley interdisciplinary reviews: Cognitive Science, vol. 1. Nova Jersey, EUA: Wiley, pp. 559- 572.
________. (2015). “Bilingualism and the development of executive function: The role of attention.” Child Development Perspectives, vol. 9, pp. 117-121.
BIALYSTOK, E. e POARCH, G. (2014). “Language experience changes language and cognitive ability”. Zeitschrift für Erziehungswissenschaft, vol. 17, p. 433-446.
BIALYSTOK, E. e SHAPERO, D. (2005). “Ambiguous benefits: The effect of bilingualism on reversing ambiguous figures.” Developmental Science, vol. 8, pp. 595-604.
Brentano, L.S. (2011) Bilinguismo escolar: uma investigação sobre controle inibitório.
Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFRGS, Porto Alegre.
KROLL, J. F.; DUSSIAS, P. E.; BICE, K. e PERROTTI, L. (2015). “Bilingualism, mind, and brain”, in: LIBERMAN, M. e PARTEE, B. H. (orgs.) Annual Review of Linguistics, vol. 1, pp. 377–394.
KROLL, J. F. e BIALYSTOK, E. (2013). “Understanding the consequences of bilingualism for language processing and cognition.” Journal of Cognitive Psychology, vol. 25, pp. 497-514.
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