CAPACITAÇÃO E TREINAMENTO EM EDUCAÇÃO BILÍNGUE E ENSINO DE IDIOMAS

Saberes docentes e formação de professores para a educação bilíngue no Brasil

By - Antonieta Megale1

Evidenciamos o crescente aumento no número de escolas que oferecem ensino na modalidade bilíngue no Brasil, principalmente as que têm o inglês e o português como línguas de instrução. Frente a muitas discussões que perpassam a existência dessa modalidade educativa, nos deparamos com uma questão central que é a formação do educador que atua nesses contextos. Ora, se cresce o número de escolas, cresce também a demanda por professores, parece óbvio, não é mesmo? Embora pareça óbvio, ainda não estamos ofertando cursos no ensino superior que abordem essa realidade.

Não devemos nos esquecer, no entanto, de dois pontos que merecem destaque e aos quais retornarei ao longo desta discussão: (i) a oferta dessa modalidade educativa ainda se destina a uma elite que por ela pode pagar e, com isso, apesar de apontarmos o crescente aumento dessas escolas, ainda estamos nos referindo a um número ínfimo de instituições e (ii) as escolas bilíngues, embora tenham em comum a oferta de ensino por meio de duas línguas, são muito diferentes entre si, ou seja, possuem propostas de formação de alunos distintas e atendem a demandas diversas.

Insisto ainda que, para a discussão sobre a formação de professores para escolas bilíngues, não parto de uma concepção de professor que flerta com a ideia de que esse profissional é apenas o facilitador da aprendizagem ou aquele que reduz o ensino a uma verbalização pouco eficiente e autoritária. Ao contrário disso, o professor é, na concepção que rege minhas reflexões e práticas, aquele cujo propósito é produzir aprendizagens de forma intencional a depender do contexto em que se insere (HIRST, 1973). Logo, o trabalho do professor requer um conjunto de conhecimentos que não podem ser aprendidos espontaneamente, ou seja, é preciso investir na formação desse professor.

Dessa forma, as perguntas que norteiam minhas reflexões aqui tecidas são: O que caracteriza e distingue a ação do professor que atua em contextos nos quais há duas línguas de instrução? Quais são os conhecimentos e saberes práticos que constituem sua experiência como docente?

Para responder a essas perguntas, parto do princípio de que existem determinados tipos de conhecimentos que são essenciais ao exercício da docência em escolas bilíngues, e recorro a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores para Educação Básica que define três grandes dimensões na formação de professores: conhecimento, prática e engajamento profissional. A partir dessas dimensões, minha proposta neste texto é identificar um corpo de conhecimentos básicos que permitam elevar as discussões sobre esse tema a um nível para além das opiniões. Ressalto, no entanto, em consonância com Silva et al (2016, p. 296) que “a preocupação em detalhar, de forma clara e objetiva, aquilo que se compreende como ação docente e os conhecimentos e saberes que a informam não deve ser confundida com a pretensão de uma visão exaustiva de que o professor ‘deve ser’, ‘deve fazer’ ou quais metodologias pedagógicas ‘deve seguir’”.

A dimensão conhecimento profissional é referente à compreensão que o professor tem de sua área de conhecimento. Quando nos voltamos ao ensino bilíngue e, aqui, vale ressaltar que me refiro aos professores que trabalham com a língua de nascimento dos alunos e aos professores que trabalham com língua adicional, há duas esferas de conhecimentos fundantes – os conhecimentos relacionados aos diferentes componentes curriculares que leciona e a língua acadêmica referente a esses componentes. Para além disso, esse professor deve ter conhecimento pedagógico dos conhecimentos que ensina, ou seja, deve estar familiarizado com as diversas didáticas que regem o ensino de componentes curriculares específicos e dominar as empregadas pela escola em que leciona, uma vez que, como já apontado, as escolas bilíngues se diferem umas das outras.

A segunda dimensão, a prática profissional do professor, se refere, de modo geral, à capacidade do professor de definir objetivos e conteúdos de aprendizagem relacionados aos conteúdos e às línguas e planejar as atividades de ensino a partir deles.

O engajamento profissional do professor, a terceira dimensão, está articulado com as possibilidades do professor de identificar necessidades de desenvolvimento profissional e agir a partir delas. Para tanto, é preciso que o professor tenha um alto grau de autoconhecimento e de conhecimento de sua área de atuação para que consiga analisar seu próprio trabalho, refletir sobre ele e traçar planos de ação para seu desenvolvimento.

Somando-se a essas dimensões que orientam a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores para Educação Básica, postulo acerca de uma formação de professores culturalmente sensível (ERICKSON, 1987), uma vez que o processo formativo que se quer propiciar aos alunos no âmbito escolar pressupõe uma formação anterior: a própria formação docente.

Gloria Ladson-Billings (1997), em entrevista concedida a Gandin et.al. (2002), explica que uma educação culturalmente relevante precisa se organizar sobre a metáfora do tripé, cujos vértices corresponderiam, respectivamente, ao desempenho escolar, competência cultural e consciência sociopolítica. Como o recorte que trago do documento da base, explicita com bastante ênfase o vértice relativo ao desempenho escolar, opto, portanto, em refletir sobre o segundo e o terceiro ponto supracitado. A competência cultural, refere-se à capacidade dos professores de entenderem quem eles são, de onde vêm e porque estão inseridos nesse contexto. A consciência sociopolítica, por sua vez, é relativa ao entendimento de que sua atuação na escola tem um objetivo social mais amplo. Desse modo, espera-se que a formação do professor se encarregue também de uma dimensão política, capaz de suscitar discussões acerca dos privilégios do contexto em que atuam e dos sujeitos envolvidos. Isso porque, como pontuado anteriormente, as escolas bilíngues português e inglês atendem a uma parcela da população brasileira com alto poder econômico e se faz necessário uma formação de professores com saberes que permitam um trabalho com os alunos de forma a ampliar seus repertórios e visões de mundo para além do lugar social e econômico que ocupam.

Por fim, ressalto a importância de considerarmos como princípios fundantes que regem a formação de professores, a ênfase em conhecimentos de ordem teórica e prática que são mobilizados nas diferentes situações em que o professor se depara e que dele exigem não apenas reflexão e acomodação ao seu contexto de trabalho, mas principalmente autonomia.



1 Antonieta Megale é doutora em Linguística Aplicada pela Unicamp e coordena a pós-graduação em Educação Bilíngue e a extensão do Instituto Singularidades. Atua também como professora do curso de graduação em pedagogia na mesma instituição e como assessora de escolas da educação básica.




Referências bibliográficas

BRASIL. Parecer CNE/CP no. 22/2019. Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores para Educação Básica. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=133091-pcp022-19-3&category_slug=dezembro-2019-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 30 mar. 2020.

ERICKSON, F. Transformation and School Success: The politics and culture of educational achievement. Anthropology & Education Quartely. 1987, p. 335-356.

GANDIN, L.A.; DINIZ-PEREIRA, J.E.; HYPOLITO, A. M. Para além de uma educação multicultural: teoria racial crítica, pedagogia culturalmente relevante e formação docente (entrevista com a professora Glória Ladson-Billings). Educação & Sociedade. Ano XXIII, no. 79, agosto/2002.

HIRST, P. What is a teaching? In: PETERS, Richard Stanley (Org.). The Philosophy of Education. Oxford: Oxford University, 1973.

SILVA, V.; ALMEIDA, P.; GATTI, A.B. Referentes e critérios para a ação docente. Cadernos de Pesquisa, v. 46, n. 160, p. 256-311, abr./jun. 2016.

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