CAPACITAÇÃO E TREINAMENTO EM EDUCAÇÃO BILÍNGUE E ENSINO DE IDIOMAS

Transgredindo em sala de aula com bell hooks*

By - Danielle Sales**

Há muito tempo eu queria ler mais autoras negras, como Audrei Lorde, bell hooks e Toni Morrison, apenas para citar algumas. Comecei minhas leituras com o livro O Olho Mais Azul, de Toni Morrison, e em seguida iniciei um livro que, para além do prazer literário, poderia me trazer contribuições no âmbito profissional: Ensinando a Transgredir, de bell hooks, cujo subtítulo é “A educação como prática da liberdade”. Esta edição foi publicada no Brasil pela Martins Fontes em 2013, com tradução de Marcelo Brandão Cipolla.

Por meio de seus quatorze capítulos, aprendi com este livro o que significa praticar, em nosso dia a dia como educadores, uma pedagogia radical, crítica, feminista e anticolonialista. Dessa perspectiva, é preciso repensar a sala de aula, a maneira como ensinamos, o que ensinamos. Sair da perspectiva da dominação. O ensino autoritário, hierárquico e dominador não tem mais vez.

Já na introdução, a autora conta um pouco de sua vida escolar, desde seus primeiros momentos na escola até a universidade, chegando a comparar esta última com uma prisão. Em minha opinião, rever sua própria história como estudante é o primeiro passo para começar a questionar suas próprias práticas, pois, a partir disso, você poderá visualizar questões que estão com você desde o início e que você pode estar reproduzindo mesmo sem perceber. É o começo do processo de todo um questionamento sobre nossas práticas pedagógicas.

Após essa visualização e uma possível reflexão, é possível perceber que existe uma enorme necessidade de mudarmos nossas práticas de ensino. O professor não deve mais ser o centro das aulas, mas tanto ele quanto seus alunos devem ser vistos como partes ativas do processo de aprendizagem.

Devemos praticar uma pedagogia engajada, em que participamos do crescimento dos alunos e tentamos deixá-los prontos para agir no mundo em que vivem. Devemos respeitar suas individualidades e, sempre que possível, fazer uma ligação entre o que estão aprendendo e suas vidas, que são diversas, com experiências e histórias diferentes.

Também é preciso perceber que nada é fixo, nada é absoluto, e esse pensamento deve estar dentro da sala de aula.

Atualmente, não basta ensinar conteúdos curriculares. Temos que ensinar nossos alunos a pensar. Educá-los para ter uma consciência crítica, propondo espaços de confronto e questionamento. Como bell hooks diz em seu livro, é preciso ainda pensar que o questionamento crítico não significa necessariamente a rejeição de uma ideia.

Nesta nova sala de aula, o professor também deve compartilhar suas experiências, e não esperar apenas que os alunos partilhem as suas. Esse processo de ensino e aprendizagem deve envolver a todos, levando em consideração a experiência dos alunos, que têm diferentes memórias, religiões, configurações familiares. Quando conseguimos escutar melhor uns aos outros, podemos nos reconhecer no discurso do próximo.

Agora, o professor deve estar preocupado em criar comunidades de aprendizagem, um espaço onde essas diferenças entre os alunos sejam reconhecidas, pois toda comunidade gera uma sensação de compromisso compartilhado. Nesse espaço, é importante que todos sintam a responsabilidade de contribuir com o aprendizado um do outro.

Essa diferença entre os alunos e toda essa complexidade ajudam a promover a inclusão por meio de uma pedagogia transformadora. Além disso, devemos pensar que toda sala de aula é dinâmica e está sempre em constante mudança.

Durante a leitura, comecei a me desafiar em relação a algumas práticas. Por exemplo, sempre imaginei que, se fosse uma pessoa mais séria, teria mais “respeito” da turma. No livro, descobri que “(...) a sala de aula deve ser um lugar de entusiasmo, nunca de tédio” (página 16).

Uma curiosidade interessante sobre este livro é que a autora é uma grande entusiasta do trabalho de Paulo Freire, ao qual dedica todo o capítulo 4 do livro. Nele, a autora fala da educação bancária, na qual o ensino é visto como um "depósito" de conhecimento, alvo da crítica de Paulo Freire, que propunha em seu lugar uma educação voltada para o pensamento crítico.

Gostaria, agora, de apresentar questões que já me eram caríssimas e, depois da leitura desta obra, têm cada vez mais espaço em minha prática docente:

A sala de aula ideal é aquela em que todos têm voz. Mais do que ter voz, os estudantes têm suas vozes reconhecidas. Não basta ouvi-los, é preciso validar suas falas.
Ainda há uma enorme necessidade de mudar as práticas de ensino. Por isso, nunca devemos nos furtar de discutir pedagogia e ensino, a despeito dos anos de experiência que tenhamos.
É preciso reconhecer as diferenças de nossos alunos, sejam elas de gênero, de classe social, de raça, de religião, orientação sexual, entre outras. Para tanto, devemos questionar e modificar preconceitos.
Não podemos ter medo de mudar e de experimentar em sala de aula. Pequenas mudanças, como sentar-se com os alunos em círculo para que seja reconhecida a presença de todos, são válidas e devem ser encorajadas.
Nós precisamos sempre desconfiar dos fatos e confrontá-los, e ensinar nossos alunos a fazê-lo.
É possível aprender sempre com nossos alunos com alegria e entusiasmo. A sala de aula também deve ser um espaço para a emoção.
Não devemos ter medo de mudar o plano de aula. O que está planejado pode ser bom, mas nem sempre é o melhor em determinadas situações. Por isso, devemos encarar as interrupções como algo útil no processo de ensino e aprendizagem.
Podemos e devemos nos envolver em processos de avaliação mais flexíveis, usando, sempre que possível a autoavaliação em sala de aula.
Após a leitura deste livro, renovei minha esperança por uma educação mais participativa, em que professores e alunos possam aprender juntos, por meio do diálogo e de uma pedagogia baseada no amor.

Por fim, concordo com a autora quando diz que “(...) o prazer de ensinar é um ato de resistência” (página 21) e é nossa responsabilidade “devolver à educação e às salas de aula o entusiasmo pelas ideias e a vontade de aprender” (página 23).

Para mim, todo professor e toda professora deveriam ter acesso a esta leitura, que é riquíssima e traz histórias e sugestões capazes de inspirar qualquer prática docente.

*bell hooks é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins. A grafia com letras minúsculas é intencional, assim reproduzida a pedido da própria autora.

**Danielle Sales é bacharel e licenciada em Letras – Inglês e Português. Cursou a pós-graduação em Planejamento, Implementação e Gestão em Educação da Distância na Universidade Federal Fluminense (UFF). Fez mestrado em Literatura Infantil e Juvenil na Universidade Autônoma de Barcelona. Atua no mercado editorial há 25 anos e é editora sênior do departamento de Idiomas da FTD. É professora de inglês voluntária no programa A Ponte para Pretxs.

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